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sábado, 7 de agosto de 2010

Lila por Jean-Claude Carrière

LILA


   "Este mundo é um jogo.
   Muitas vezes, pode-se duvidar disso, vendo a violência de que somos capazes, a injustiça, a brutalidade, as duríssimas condições em que vivem milhões de pessoas. Sem falar dos milhões de animais que são mortos e devorados todos os dias.
   É que se trata de um jogo exclusivo dos deuses. O mundo é uma diversão dos deuses e isto se chama Lila. Estamos aqui, com todos os elementos que compõe o universo, para divertir os seres supremos. O mundo é um brinquedo deles.
   Podemos, evidentemente, rejeitar esta concepção, que nos reduz à condição de peças de um jogo, e que parece querer imprimir a marca da inutilidade em toda tentativa de resistência e de revolta de nossa parte. É  o meu caso: não creio nos deuses, portanto não posso acreditar que eles se divertem à nossa custa. No entanto, esta chave - uma entre outras que às vezes a contradizem - pode, em certos momentos, ajudar a abrir nossos contatos com a Índia. Pode nos ajudar a compreender, ou a admitir, o que sem ela nos pareceria absurdo e inaceitável.
   Vamos guardá-la sempre em volta de nosso pescoço. tudo isso é apenas um jogo. Acreditamos viver por nós mesmos, mas não passamos de marionetes nas mãos do além. Melhor dizendo: este jogo é um sinal, mais um, de que vivemos numa ilusão. Aliás, a Lila é inseparável da Maya, a rede suprema das aparências, que dissimula o jogo divino aos nossos olhos. Quando estão unidas, elas passam a ser Lilamaya, que é a arma de Krishna, este jogo de sedução em que ele nos enreda. Para o nosso bem? Não é impossível. Alguns pensadores esperam que, se Krishna, que é a divindade, nos alicia nesse jogo de aparências, seja para nos levar à mokhsa, à libertação.
   Seria, portanto, um jogo para escapar do jogo. Um jogo duplo, em que a vertigem pode rapidamente dominar os jogadores, sobretudo porque ninguém parece conhecer as regras. Afinal de contas, elas talvez nem existam. Impossível? É verdade que não podemos imaginar um jogo sem regras, mas não somos deuses."

(CARRIÈRE, Jean Claude. Índia: um olhar amoroso. São Paulo: Ediouro, 2009. Pág. 241-242)
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