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Por Potira
Tudo começou quando a minha mãe resolveu levar o antigo baú de madeira que estava no meu quarto para a nova casa na chácara. Sim, eu sei mãe, ele ficará muito melhor lá, onde acompanhará o mobiliário rústico de toda a casa do que aqui, na casa da "cidade". Mas eu vou sentir imensamente a falta do meu baú...
Esta relíquia centenária, herança de família, estava sendo usada para guardar alguns de meus livros e papéis... Revirando entre os recortes, dou de cara com este amarelado texto... Não sei porque o guardei tanto tempo no fundo do baú se na época ele não fazia nenhum sentido para mim...
Porém, mal sabia eu que não haveria momento mais propício para reencontrá-lo do que este. Quando reli eu tive vontade de dividir com minhas amigas e aqui está...
AMORES INTRADUZÍVEIS
por Martha Medeiros
Uma amiga namorou por seis meses um norte-americano, nascido em Santa Barbara, California. Lá conheceram-se e por lá ela ficou. Apaixonou-se pelos olhos dele, pelos ombros dele, pelo gosto musical do gringo, que batia 100% com o seu. Passavam tardes inteiras ouvindo Joe Jackson, Elvis Costello e Neneh Cherry, apesar de ela não ter a mínima idéia do que diziam as letras. Seu inglês empacou no the book is on the table e não saiu disso. Ele, por sua vez, achava que no Brasil se falava espanhol, idioma que tampouco dominava. Zero problema. Nenhum dos dois estava mesmo a fim de papo. Beijavam-se adoidado, caminhavam juntos na beira do mar, andavam de bicicleta, tomavam cerveja nos bares e compartilhavam canções. Foram almas gêmeas por meio ano e tudo o que precisavam era dizer hello quando se encontravam e bye bye quando se despediam. O resto funcionava na base da mímica, do tato e do encanto. Mas não há amor que resista à mudez eterna. Ela resolveu voltar para o Brasil e não se correspondem por razões óbvias. Falar no telefone, nem pensar. The End.
Eis que minha amiga conhece outro cara, ao voltar. Paulista. Português fluente, como o dela. De certo modo, sentiu-se aliviada: ela poderia perguntar a ele o que achou de um filme, poderia conversar sobre as diferenças entre Lula e FHC, poderia deixar recados na secretária eletrônica e dizer coisas safadas no seu ouvido. Depois da greve de silêncio nos States, uau, ela soltaria o verbo. Foi então que aconteceu.
Parecia que um era do Zimbábue e o outro da Croácia. Ela não conseguia falar duas frases sem que ele retrucasse. Se ela dizia uma coisa carinhosa, ele achava que era ironia. Se ela falava sério sobre qualquer assunto, ele achava que era deboche. Se ela perguntava algo do passado dele, ele a chamava de paranóica. Se ela brincava com o cabelo dele, ele se ofendia. Completamente desintonizados.
Quando ele tentava melhorar o clima, também não funcionava. Se ele concordava com ela, ela achava que ele tinha aprontado alguma. Se ele prestava atenção ao que ela dizia, ela achava que era teatro. Se ele ria de alguma piada, ela achava que ele não tinha entendido. Se ele pedia o mesmo prato que ela no restaurante, ela dizia que ele não tinha personalidade. Se ele pedia um prato diferente, era porque estava criticando a escolha dela. Amor nenhum resiste ao desentendimento eterno. Acabou. Não se correspondem por motivos óbvios e falar no telefone, também, nem pensar.
Minha amiga procura novo namorado e espera ter mais sorte na próxima vez. Brasileiro ou estrangeiro, pergunto eu. Pouco importa, me responde ela, desde que ele venha com legendas.
(Porto Alegre, Jornal Zero Hora, 23 de junho de 1998)
4 comentários:
A-D-O-R-E-I!!! Mesmo!
Lilian
Potira, estou amando teu blog! Perdao por nao ter lido antes ;-) bjos
Nanda
Potiraaaaaaaaaa, amei esse texto, menina! Vou passar adiante ^^
Hein, eu posso linkar o seu blog no meu? É que um tempo atrás eu não consegui fazê-lo, acho que o blog estava fechado... beijão!
ooooo Flavinha,
Passe a diante, é um texto muito bacana pra ficar guardado literalmente no fundo do meu baú...
Wow!!! Linkar meu blog no teu? Fique super a vontade, como diria o Raul... "faz o que tu queres pois é tudo da lei..."
Um grande beijo!
=)
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