Costa do Malabar, Rajás, Especiarias, Comércio, Disputas, História, Poderosas Princesas, Império Português na Índia... Uma pitada de História do Kerala, um estado no sul da Índia.
Pela historiadora, arqueóloga e museóloga brasileira
O Sul da Costa Oeste do Decão, denominado pelos árabes de Malabar, é formado por terras que se estendem do Sul de Mangalore até as proximidades do Cabo Camorim, extremo sul da península. Terra de fragrâncias, de jardins de especiarias, a costa do Decão é banhada pelo Índico, o oceano em que o comércio de aromas e especiarias foi sempre atuante e que se disseminou pela Costa Oriental da África, banhando o país dos zendji, as ilhas do Sudeste Asiático, até o Mar do Sul da China e as zonas costeiras do Decão, chegando à Arábia, à entrada da Porta das Lágrimas, a Bab-el-Mandeb, e ao Golfo Pérsico. O Malabar foi o berço da pimenta negra e do cardamono, e, mais tarde, lá chegaram, do Ceilão, a canela; os cravos e moscadas, das Maloucas; a canela cássia, da China; bem como muitos outros grãos, além de aromas que levam ao paraíso.
Ao chegar à região, vi as pimenteiras enormes se enroscando nas palmeiras e se elevando às alturas, seus cachos de bagas, os morros cobertos e perfumados de cardamonos muito verdes, os canais e as backwaters, onde os nenúfares e os lótus habitam, contornados de palmeiras, de charcos plantados de arroz, de fazendas de criação de patos, de santuários onde se escondem milhares de pássaros, além do entremeio de longas faixas de areia e de entrepostos de especiarias. Como desassociar o sabor dos aromas destas especiarias? A entrada nas ruas da antiga aldeia de Mattantcherri, nas vizinhanças de Cochin, me lembrou os grandes bolos de especiarias da minha infância.
Kerala, nome dado a este novo Estado, criado a partir da união de outros, já numa Índia independente das pressões européias do colonialismo, estende-se pela Costa do Malabar, e seu encanto me fez percorrê-lo de Kozhikode (Calicut) a Thiruvanathapuran (Trinvandum), penetrando no Tamil Nadu, indo até Kanniyakumari, que celebra a deusa virgem (encarnação de Parvati), e que os portugueses denominaram Cabo Camorim. Pelo caminho, pude testemunhar o dia-a-dia dos elefantes em seu santuário do rio, o Periyar; sentir o misticismo dos templos de Ayyappan, o deus do equilíbrio, e a presença da grande deusa Bhagavathi; e descansar nos remansos dos alagados costeiros entre Allepey e Quillon, ou nas frescas casas tarawad, as casas familiares, com seus imensos tetos caídos, depois de subir as montanhas de chá e cardamono dos montes Nilgiri e reconhecer os remanescentes arqueológicos de Muziris.
No tempo do Império Chera, também conhecido como Era de Sangam, nos primeiros quinhentos anos da Era Cristã, o porto de Cranganore, o Muziris dos romanos, foi um dos mais importantes pra o comércio de especiarias. Já o porto de Arikamedu foi um dentre outros grandes centros mercantis, situado no outro lado da península, na Costa do Coramandel, nas proximidades de Ponduku, hoje Pondichéry. Aos mercadores fenícios, gregos, romanos, chineses e árabes, lá se juntaram os indianos chettinads, bohris, mappilais e banias, além de, em diversas épocas, refugiados religiosos judeus e cristãos. Segundo consta, os primeiros cristãos teriam vindo no rastro do apóstolo Tomás.
No século XII, o Malabar foi dividido em diversos reinos. Quando os portugueses chegaram, em 1498, já havia sinagogas, igrejas cristãs de rito oriental e mesquitas, além dos inúmeros templos hindus, jainas, e, em menor quantidade, budistas. A população indiana era imensa. Quatro famílias reais dominavam a região e agrupavam em volta delas rajás de menor importância. O maior poder temporal cabia aos samudras de Ernad. Os príncipes de Venad se impunham em prestígio. Os kolathiri de Eli, que reclamavam para eles a mais ilustre linhagem, governavam a área Norte. E os reis de Perumpanappunad, ainda que independentes, ocupavam uma posição inferior, devido certamente à pouca idade de sua riqueza e as certas contendas com os samudras ou "senhores do mar", também conhecidos como samorins. Os autores portugueses sempre se referem a esses reinos usando o nome de suas cidades principais: Calicut, Quillon, Cannanore e Cochin.
Nestes reinos, a lei dinástica matrilinear levava ao poder supremo o filho mais velho de todos os ramos reunidos, o que não impedia os soberanos de favorecerem seus próprios filhos, doando-lhes províncias inteiras, o que provocava fortes disputas em linhas familiares paralelas. As princesas-mães tinham um grande poder e, com a ajuda de brâmanes e adivinhos, podiam convencer rajás a se retirarem do mundo, a fim de elevar ao trono um de seus irmãos. As disputas pelo poder viravam terríveis rivalidades fratricidas, das quais os protugueses souberam tirar proveito.
*CAMARGO-MORO, Fernanda. Arqueologias Culinárias da Índia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. pág. 77 a 79.
12 comentários:
nada é acaso...
lendo hoje seu blog com mais calma já "dou de cara" com o sul da Índia, a região que mais me fascina.
e gostei bastante do blog! me interessou muito,"linkei" umas coisas para o meu. abraço.
Que ótimo Patrícia!
Sabe que eu vejo muitas pessoas que acham que a Índia é apenas o norte: as cidades nas margens do Ganges, Rajastão e Taj Mahal... Vamos abrir os olhos para as Mil Índias...
Fico feliz que tenhas gostado, e muito obrigada pelo comentário...
=)
Adorei o post, principalmente porque estou de passagem marcada para Kanyakumari, vou assistir um casamento de uma prima do meu marido por lá. Bom, terei uma perspectiva totalmente diferente, ficarei apenas por dois dias no local, mas fiquei mais animada lendo esse relato, creio que terei muito o que ver por lá. Besos!
Sim...
Eu aposto que tu terás muitas coisas bacanas pra ver por lá e contra pra gente...
A Fernanda de Camargo-Moro adora o sul da India, em especial o Kerala... Quem sabe uma hora dessas tu não vai passar uns dias por lá também...
Tudo de bom e aproveite o casório...
=D
Eita Blog gostoso de ler.
Colorido para os olhos e para cabeça.
Olá Potira, adorei o teu espaço e o foco principal do blog (India) me interessa muito. Parabéns! Tudo muito bonito e o conteúdo muito rico. Voltarei! Abraço forte.
Potira, que lindo o seu blog.
Vc deixou um comentário no meu blog de Caixas personalizadas e , infelizmente por alguns problemas, eu não vi antes.
Um presente para professora de teatro? Poderíamos fazer algo bem particular e específico não?
Ficarei feliz de trabalhar com vc.
Ah, e amei seu blog, já está em meus favoritos. Quanta cultura indiana! Eu também sou apreciadora fanática da cultura. Tenho receio de parecer clichê mas, realmente tenho fascínio.
E o sul da Índia é lindo! Dificilmente, vejo ou leio algo em blogs sobre o sul do país. Parabéns!
Ah, me tira uma dúvida: Fernanda de Camargo Moro tem algum grau de parentesco com Javier Moro? Li dois livros dele recentemente ('Paixão Índia' e 'O Sári Vermelho') e pude constatar que ele tem o dom de nos fazer viajar por seus relatos.
=]
Quanto à caixinha, me add no msn: gabrielladoria@hotmail.com
Será um prazer trabalhar com vc.
=*
Interesting blog.
Congratulations from Spain.
Muito obrigada Guacira...
Quem "blogueia" seus males espanta... hihihihihi
=D
Caro Tadeu Vargas, muito obrigada pelo comentário. São leitores como você que enriquecem este blog.
Seja sempre bem vindo!
=)
Gabriela, que bom guria! Entrarei em contato contigo sim. Seu trabalho é mesmo muito bonito!
Sobre a Fernanda e o Javier. Acho que devem apenas ter o mesmo sobrenome.
O Javier é um escritor espanhol que fez algumas pesquisas e viagens pra escrever estes dois livros que tu leste... (Eu também tenho-os, sei que são famosos, mas conheço outros melhores... =D)
A Fernanda de Camargo-Moro é historiadora, arqueóloga, museóloga,PHD em arqueologia e pós-doutora em arqueologia ambiental. Ela nasceu em 1933 e é uma das mais importantes historiadoras do Brasil,o trabalho dela é referência em diversas áreas. Publicou livros sobre o Oriente, Rota da Seda, inclusive este sobre a Índia... Ela pesquisa e viaja pra lá a bem mais de 30 anos e eu poderia ficar falando (escrevendo) sobre ela por anos...
Eu tenho até medo que ela morra e eu fique "órfã"...
=D
Thanks :)
--
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La ringrazio per intiresnuyu iformatsiyu
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