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Apreciem este genial site com o trabalho da antropóloga Lena Tatiana Dias Tosta em parceria com o fotógrafo Olivier Boëls.
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Holy Ashes
Kali Yuga
Backpackers of Charity
Roots and Routes of Ladakh
From Kashi to Varanasi
Encounters
A path with a soul
Tears of Ganga Maa
Fotos por Olivier Boëls
Hordas, Santos e Loucos*
Por Lena Tatiana Dias Tosta
Deitados em camas de pregos ou meditando nus em cumes nevados do Himalaia,
os sadhus povoam nossas Índias imaginárias. Em geral, sua “denominação nativa” é
ignorada, mas temos referências deles tanto como os renunciantes extremos da biografia
do Buda Shakyamuni ou como um figurante de alguma cena gravada com os Beatles na
Índia ou ainda dos quadrinhos de Tim-Tim. Ignoramos “a Índia” como complexidade;
até mesmo os estudos orientalistas não ganharam expressão no Brasil. Ainda assim,
temos uma impressão sobre sadhus.
O termo sadhu deriva do sânscrito “reto”, na conotação de “pessoa que segue o
caminho”. É título conferido àqueles que passaram por uma iniciação em uma linhagem
de ‘renunciantes’ hindus. O ideal prescrito ao sadhu é um estado de liminaridade que
lembra um entre-lugar de um paradigma realista metafísico: eles não estariam nem
totalmente mortos para a dimensão fenomênica, nem vivos para as mesmas aspirações
sociais e materiais daqueles dos “não-renunciantes”. Com cinzas sagradas (vibhuti)
pintando seus corpos nus e adornos de ossos, muitos sadhus nagas e aghoris carregam no
corpo a lembrança constante de seus objetivos. Vivem em vias de transcender a realidade
física enquanto continuam em um “corpo de carne”. São como as cinzas sagradas com as
quais se vestem: tangíveis e intangíveis, preto e branco, simultaneamente puros e
impuros.
Tendo em vista uma contribuição para um processo de descolonização do saber,
é preciso buscar no saber “outro” hegemônico (ocidental) as “nossas” referências
(ocidentalizadas) para nos aproximar dos “instrumentos filosóficos” de “outros”
distantes. Explicitar a politização da comparação talvez leve a um passo seguinte: abrir
uma brecha para a legitimação e posterior sistematização do ensino-aprendizagem de
outros saberes nas universidades ocidentais e ocidentalizadas.
Nestas representações há pouco espaço para o mundo da vida e a subjetividade
dos sadhus representados. É feito um afastamento mais ou menos intencional de um
universo de sadhus que não se adequam aos estereótipos e noções morais que se adscreve
a eles à revelia. O que une todos estas representações estereotípicas é a expulsão dos
sadhus “deste mundo” de lucidez e regras sociais. Seriam ascetas, hordas, santos, loucos,
intoxicados, macabros, milícias – em qualquer caso, fora de um ideal de controle do
sujeito socializado. Cabe indagar o quanto cada imagem é intencionalmente construída
para adequar o sadhu a um modelo e quais são os interesses por trás de cada
representação.
A figura do sadhu que deliberadamente se submete aos mais penosos desafios em
nome da transcendência se confunde com própria história orientalista da Índia. Votos de
silêncio, de manter-se em pé por décadas ou viver sobre uma cama de pregos são
austeridades que fazem parte do mundo imaginado desses iogues. Diz-se dos sadhus
extremos que eles buscam um atalho para o Moksha, um tratamento de choque para
afastarem-se da ilusão do mundo materialista.
Para os sadhus não há reinos a serem conquistados e não há vários indivíduos
sobrecarregados de pecados a serem expiados por mortificações e austeridades. Embora
muitas austeridades façam parte de um acervo “tradicional” de práticas dos sadhus, como
sua noção de caminho é contingente, já não são vistas como necessárias ou condizentes
com os tempos atuais.
A noção de eras cosmológicas cíclicas implica em uma adequação das práticas à era em questão.
Segundo a maioria das interpretações hinduistas, vivemos em Kali Yuga, a era da espiritualidade decaída,
do materialismo e da aceleração de ritmos. Como é mais árduo tentar práticas espirituais nesta era, a
eficácia das mesmas é maior que em outras eras tornando as práticas mais extremas desnecessárias.
Do fascínio respeitoso de Alexandre o Grande com sadhus nasceu a imagem de
filósofos nus, a primeira representação sobre sadhus a correr o ocidente. Como já foi
mencionado anteriormente, a representação colonial girava em torno de ascetas e
“faquires”, da idéia de santos e de hordas e milícias – dando a impressão até de que se
tratasse de sujeitos diferentes. Na historiografia colonialista até o Séc. XIX, os nagas são
representados como hordas sanguinárias que formavam milícias a serviço das elites locais
(Pinch, 2005), fora, portanto, da “civilização” indiana ou da colonização britânica. Vale
lembrar aqui a limitação das fontes historiográficas ocidentais: os nagas foram
circunscritos a este estereótipo de “ascetas guerreiros” porque interessava à historiografia
documentar os conflitos políticos – e, portanto, os sadhus que se envolviam com
atividades militares apareceram como a representação majoritária.
Nos anos 70 a Índia recebeu uma onda de viajantes, “hippies” que produziam e/ou
consumiam uma literatura caracterizada por um imaginário sobre sadhus como homens
santos, iogues com poderes extraordinários e professores espirituais
Boa parte da literatura ocidental contemporânea contrasta com este olhar da
“contracultura” ocidental por seu desencantamento explícito. Os sadhus não são mais
respeitáveis, “perderam a santidade”, mas continuam exóticos. Tornaram-se figuras
marginais, algo como “malandros”, malucões um pouco sinistros com seus “apetrechos
macabros” longos deadlocks, bolsinhas bordadas em multicores e cajados de tridentes,
que levam a vida viajando a custa de vítimas da fé. Daí a uma representação dos sadhus
como bandidos.
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*Trechos selecionados do artigo original publicado em : 30º Encontro Anual da ANPOCS, 24 a 28 de outubro de 2006;
GT 10 - Imagens e Sentidos: a produção de conhecimento nas ciências sociais
Publicado no Anais do 30º Encontro Anual da ANPOCS, trabalho 754-1.
2 comentários:
Aqui no Brasil, a gente costuma ouvir muito a frase "se nada der certo, viro hippie". Pois lá na India, escutei muitas vezes o povo dizendo "Se tudo der errado, vou para Varanasi e viro sadhu" e achando a maior graça, ou seja, sadhu para eles também virou motivo de chacota.
Bj
Mirelle
Bhá Mirelle,
Eu tava lendo que com o desenvolvimento do turismo estes sadhus "de mentira" sobrevivem com a grana que arrecadam posando pra fotos e filmagens...
Enquanto os reais homens santos são confundidos com mendigos...
=(
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