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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A Feiticeira de Florença - Salman Rushdie

"Essa pode ser a maldição da raça humana. Não que sejamos tão diferentes uns dos outros, mas que sejamos tão parecidos."

No final do século XVI, um sábio imperador muçulmano, cercado de poetas e artistas e conhecido por sua tolerância, comanda uma civilização de grande requinte artístico e intelectual na bela cidade de Fatehpur Sikri, no norte da Índia. Certo dia, Akbar, o Grande, descendente de Gêngis Khan, recebe a visita de um jovem de cabelos dourados e trajes de arlequim que afirma ser seu parente direto. Mogor dell'Amore é o nome do misterioso viajante, e a fabulosa história que tem para contar é a de um jovem florentino, Antonio Argalia, que resolve tentar a sorte como mercenário e termina no comando das forças otomanas. No caminho de Argalia, porém, há uma princesa esquecida de linhagem imperial, de cujos belos olhos negros emana poder suficiente para enfeitiçar tanto a Sikri do grande imperador mongol como a Florença dos Medici. Oriente e Ocidente se encontram nesta bela trama tecida de magia e realidade, criada por um dos mais renomados romancistas contemporâneos. Fisicamente, enorme distância separava a corte de Akbar da Florença renascentista. Mas, no plano das idéias, talvez essa distância não fosse tão grande como se costuma pensar.

RUSHDIE, Salman. A feiticeira de Florença. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Título original: The Enchantress of Florence.
Copyright © 2008 by Salman Rushdie.

"(...) Ele podia sonhar em sete línguas: italiano, espanhol, árabe, persa, russo, inglês e português. Pegava línguas do mesmo jeito que a maioria dos marinheiros pegava doenças; línguas eram a sua gonorréia, sua sífilis, seu escorbuto, sua febre, sua peste. Assim que adormeceu, metade do mundo começou a tagarelar em sua cabeça, contando incríveis histórias de viajantes. Nesse mundo semidescoberto, cada novo dia trazia notícias de novos encantamentos. A visionária, reveladora poesia dos sonhos do cotidiano ainda não havia sido esmagada pela estreita e prosaica realidade. Ele era um contador de histórias, tinha sido atraído para fora de sua porta por histórias de portentos, e por uma em particular, uma história que poderia fazer sua fortuna ou, talvez, custar-lhe a vida." (pág. 17)

"Ao amanhecer, os assombros palácios de arenito da nova 'cidade da vitória' de Akbar, o Grande, pareciam feitos de fumaça vermelha. A maior parte das cidades começa dando a impressão de ser eternas quase desde que nascem, mas Sikri iria sempre parecer uma miragem. Quando o sol chegava ao zênite, a grande clava do calor diurno se abatia sobre as pedras das ruas, ensurdecendo os ouvidos humanos para qualquer som, fazendo o ar tremer como um antílope assustado, enfraquecendo a fronteira entre a sanidade e o delírio, entre o inventado e o real." (pág. 35)

"As mulheres pensam menos nos homens em geral do que o geral dos homens imagina. As mulheres pensam em seus próprios homens com frequência do que seus homens gostam de acreditar. Todas as mulheres precisam de todos os homens menos do que todos os homens precisam delas. Por isso é tão importante manter uma boa mulher dominada. Se o homem não domina a mulher, ela certamente vai embora." (pág. 60)

"Quando um menino sonha uma mulher ele lhe dá grandes seios e cérebro pequeno', ela murmurou. 'Quando um rei imagina uma esposa, ele sonha comigo". (pág. 61)

"(...) Idéias eram como marés do mar ou fases da lua, elas surgiam, subiam, cresciam a seu tempo devido, e depois baixavam, escureciam e desapareciam quando a grande roda girava. Eram moradas temporárias, como tendas, e uma tenda era seu abrigo adequado. Os construtores de tendas mughais eram gênios à sua própria maneira, criavam casas desmontáveis de grande complexidade e beleza. Quando o exército marchava, era acompanhado por um segundo exército de dois mil e quinhentos homens (sem falar de elefantes e camelos) que erguiam e baixavam pequenas cidades de tendas nas quais o rei e seus homens residiam. Esses pagodes, pavilhões e palácios portáteis tinham até inspirado os pedreiros de Sikri - mas uma tenda era sempre uma tenda, uma coisa de tela, pano e madeira que representava bem a impermanência das coisas da mente.(...)" (pág. 91)

"(...) É preciso dar um passo para fora do círculo para ver que ele é redondo". (pág. 92)

"Senhor', disse Mogor dell'Amore, com calma, 'sinto atração pelos grandes panteões politeístas porque as histórias são melhores, mais numerosas, mas dramáticas, mais engraçadas, mais maravilhosas; e porque os deuses não nos dão bom exemplo, eles interferem, são vaidosos, petulantes e se comportam mal, o que, confesso, é bem atraente." (pág. 158)

"Poesia é o que ela gosta, não flores. Ela já tem bastante flores." (pág. 172)

"Para uma mulher agradar a um homem', disse o imperador, 'é preciso que ela saiba cantar. Ela deve saber tocar instrumentos musicais e dançar, e fazer essas três coisas ao mesmo tempo quando solicitada: cantar, dançar e soprar uma flauta ou dedilhar uma melodia numa corda. Ela deve escrever bem, desenhar bem, ser apta na confecção de tatuagens e estar preparada para recebê-las em qualquer lugar que o homem deseje. Ela deve saber falar a linguagem das flores quando decora camas ou divãs, ou quando decora a piso: a cerejeira é para a lealdade, o narciso para a alegria, o lótus para a pureza e a verdade. O salgueiro é a mulher e a peônia é o homem. Os botões de romã trazem fertilidade, as azeitonas trazem honra e as pinhas são para vida longa e riqueza. A ipoméia deve ser evitada sempre porque fala de morte." (pág. 173)

"Nas artes de manchar, tingir, colorir e pintar os dentes, as roupas, as unhas e o corpo, a mulher deve ser incomparável (...) Uma mulher deve saber tocar música em copos cheios com líquidos de vários tipos em diferentes medidas', disse o imperador, arrastando as palavras. 'Deve ser capaz de fixar um vitral no chão. Deve saber fazer, arrumar e pendurar um quadro; produzir um colar, um rosário, uma guirlanda, um festão; e guardar ou recolher água num aqueduto ou num tanque. Ela tem de conhecer perfumes. E enfeites para a orelha. E deve saber representar, e aparecer em apresentações teatrais, e deve ser rápida e segura com as mãos, e ser capaz de cozinhar e fazer limonada e sorvete, e usar jóias, e amarrar o turbante de um homem. E deve, claro, saber magia. Uma mulher que sabe essas poucas coisas é igual a qualquer homem bruto e ignorante." (pág. 175)

"Do outro lado do Mar Oceano, no Mundus Novus, as leis comuns do espaço e do tempo não se aplicavam. Quanto ao espaço, ele era capaz de se expandir violentamente num dia e depois encolher no dia seguinte, de forma que o tamanho da terra parecia duplicar ou reduzir-se à metade. Diferentes exploradores traziam relatos radicalmente diferentes das proporções do novo mundo, da natureza de seus habitantes e da forma como esse novo quadrante do cosmos tendia a se portar.(...)" (pág. 371)
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4 comentários:

Blog da Marcy disse...

Ótimo post! Parabéns!!

Blog da Marcy disse...

Fico feliz que gostastes do meu cantinho!Volte sempres. SErás sempre bem vinda. SEje uma seguidora também!

Borges de Garuva disse...

Estou lendo, já bem adiantado. É um livro de raríssima beleza. E está saborosamente traduzido por José Rubens Siqueira. Valeu ter vivido 63 anos para me defrontar com este contador de histórias.

۞ Potira ۞ disse...

Borges de Garuva!

Realmente é um livro saboroso... =)

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